quinta-feira, 2 de junho de 2011

Texto de Raquel de Queiroz

Um belo dia,sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias ou parto, o doutor lhe põe nos braços uma criança.Completamente gratis-nisto é que está a maravilha.Sem dores, sem choro, aquela criançinha da sua raça, da qual morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida.
No entanto - no entanto -nem tudo são flores no caminho da avó.
Há acima de tudo, o entrave maior, a grande rival : a mãe. Não importa que ela em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe . Não importa que ela ensine à criança a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovózinha" e lhe conte que de noite, às vezes , ela de repente acorda e pergunta por você, são lisonjas nada mais.
Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais.A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante.Dorme com ele,dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o.Embala-o de noite.Contra si tem a fadiga, a rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto.Mora em outra casa.Traz presentes.Faz coisas programadas, leva passear, "não ralha nunca ", deixa se lambuzar de pirulito.Não tem a menor pretensão pedagógica.
Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto;o bibelô que se quebrou porque ele - involuntariamente -bateu com a bola nele.
Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações : os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque ninguém zangou, o culpado foi a bola mesmo, não foi vó ?
Era um simples boneco que custou caro.
Hoje é relíquia : não tem dinheiro que pague !

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